terça-feira, 14 de maio de 2013

Carga tributária x esgoto (saneamento básico):

Uma lógica historicamente injusta.

Com o título “Quem muda a cidade somos nós. Reforma urbana já.”, cada cidadão cachoeirense foi convidado para participar da 2ª Conferência da Cidade, onde serão levantados os problemas e as soluções para a (re) forma da cidade que queremos, tanto para nós como para as futuras gerações. Nessa seara um assunto sempre me chamou muito atenção: o excessivo dever que um trabalhador (de baixa renda) tem para com a cidade, levando em consideração a carga tributária, a contribuição dele e dos demais cidadãos e o direito que eles têm à cidade – usando dentro deste conceito amplo de cidade, o saneamento básico, como objeto de análise, já que é um dos temas a ser debatido (e reformado, espera-se!) no evento.

Precisamos usar dados gerais para alcançar nosso objetivo de abordagem da problemática. Pensemos que todas as pessoas vivem nas cidades. Antes de viver no Estado (neste caso lido como um ente da federação, em sentido estrito, o Rio Grande do Sul), antes de viver no Brasil, o cidadão vive na cidade, no bairro, na rua. Usemos ainda o fato de a carga tributária brasileira ser de aproximadamente 40% de tudo que ganhamos ou produzimos. Obviamente que alguns produtos são mais, outros são menos, porém para facilitar a análise do problema vamos pensar em uma espécie de “imposto único”, girando em torno desse valor. Sabemos: não chega a esse valor, nem todo esse tributo vem para os cofres municipais. Mas façamos esse uso, mesmo assim.

Em meio a esses dados vamos pegar como objeto de análise dois cidadãos cachoeirenses, anônimos, um que tenha uma renda de R$ 10 mil reais; outro que seja empregado doméstico (de um patrão bom) e ganhe 1 mil reais. Tudo aproximadamente. Acrescentemos ainda que ambos utilizem 800 reais para seu gasto básico. Para seu “rancho”.

Durante o mês de trabalho, ambos após as despesas inevitáveis terão gastado R$ 800 reais. Entretanto, 40% deste valor é tributo (aquele imposto único, usado para facilitar nosso exame do caso) que será recolhido ao tesouro municipal. Assim, tanto o trabalhador quanto o outro cidadão terão deixado R$ 320 reais de tributo para o município. Porém com há uma diferença neste ato: o valor de R$ 320,00 reais representa 32% do salário do trabalhador e apenas 3,2 % do salário da outra pessoa. Ou seja, o trabalhador deu para a cidade 32% de sua renda; o outro ofereceu apenas 3,2%, neste caso que, apesar de hipotético, anda muito perto da realidade. O sistema tributário vigente cobra muito de quem ganha pouco para viver no Brasil, mas cobra pouco de quem ganha muito. Isso não em valores, e sim em percentuais. O imposto do quilo de arroz comprado pelo magistrado ou pelo carroceiro é o mesmo. Assim, em termos de arrecadação, o trabalhador é mais exigido, é mais explorado.

O sistema tributário, como podemos concluir, é injusto. Por outro lado há uma dificuldade enorme de ser feita uma reforma tributária, de corrigir essas disparidades, tanto porque há muitos interesses em jogo, como porque são muitos e complexos tributos, de todos os entes da federação. Exemplo o ICMS é estadual, mas o município tem direito a uma parcela. Tanto que os auditores estaduais estiveram com o chefe do poder executivo convidando-o a ajudar na fiscalização do recolhimento do referido tributo, em troca, claro, de mais arrecadação para o município.

Bem, falamos de arrecadação. E a despesa? Como é gasto esse dinheiro arrecadado, ou seja, como é feito o orçamento, pelo prisma do cidadão de 10 mil, do trabalhador e em relação ao esgoto? Analisemos. O cidadão que aufere 10 mil reais mensalmente, obviamente reside, por suas possibilidades econômicas, em algum bairro da cidade que é atendido por todos os serviços públicos: água, luz, pavimentação, saneamento, esgoto, etc.. 

Como o caso que debatemos é saneamento, este bairro onde reside este servidor com certeza está dentro daqueles 28 % que tem esgoto. Já o empregado, pelas suas condições materiais, deve residir em alguma vila, em algum bairro mais afastado (basta que analisemos quanto custa morar em nossa cidade), com todas as mazelas de um dos bairros que compõem aquele percentual de 72% sem esgoto.

Analisados esses dados, percebemos que quem mais contribui para o orçamento municipal, ou seja, quem mais sente o peso da carga tributária (porque ganha apenas o suficiente para viver, sem opção de deixar de pagar tributo, porque precisa comprar o básico e comprando gera o fato gerador, ou seja, paga tributo) foi quem menos recebeu o serviço público esgoto. Ou seja, quem ganha menos, paga mais, para que quem ganha mais, pague menos, para ter mais serviço público – esgoto. Uma injustiça histórica e estrutural que precisa ser combatida.

A cidade por essa perspectiva no momento que vai se desenvolvendo gera ônus e bônus. Ocorre que há uma distribuição injusta dessas consequências. Como no caso dos esgotos, uma parcela privilegiada da população recebe uma quantidade maior de benefícios, enquanto outra parte da população fica sujeita a uma quantidade excessiva de consequências negativas. Atentemos para o fato de que em Cachoeira do Sul existi bairro onde não há uma indústria, não há um prédio público, há apenas moradias, ruas altamente manutenidas, pavimentadas, praças e jardins. Enquanto há bairro onde imperam as consequências maléficas da injustiça social e do desenvolvimento urbano: há ruas sem pavimentação, sem esgoto, sem saneamento, há a poluição sonora, atmosférica, visual dos empreendimentos empresariais, etc. Essa divisão injusta do lado bom e do lado ruim da cidade precisa ser revista. Nem uma parte da cidade pode continuar residindo no “jardim de Éden”, nem a outra parcela da população pode sentir, sozinha, toda a influência negativa da sociedade moderna.

Apenas uma justa, planejada, eficiente e continuada política pública de reforma urbana pode fazer justiça neste ponto abordado. Se o trabalhador dos mil reais mensais é quem mais paga imposto, se ele reside nos bairros onde menos se tem saneamento (por impossibilidade de residir em outro), há que ser montada uma sistemática de distribuição de recurso orçamentário, com tempo e valores previamente estabelecidos, para que essa lógica social injusta seja corrigida.

E como seria alterada essa lógica? Como já se fala, quer seja por bairro, por zona, por problema, faz-se-ia uma divisão de Cachoeira do Sul quanto ao quesito esgoto, por exemplo, e conforme seja o percentual dotado desse serviço, haveria uma pontuação e entraria no orçamento. Em outras palavras: se o bairro “A” tem 90% de rede de esgoto, enquanto o bairro “B” tem apenas 20%, então, quando for feita a distribuição orçamentária, aquele bairro que tem menos, receberia mais recurso (que pode ser aumentado, ainda, para ser proporcional ao valor que as pessoas que moram no bairro pobre entrega como imposto, se comparadas às pessoas residentes nos bairros mais elitizados). Já o bairro totalmente ou quase totalmente coberto pela rede de esgoto, receberia, respectivamente, apenas o necessário para manter a rede de esgoto já existente ou para fazer a parte que ainda não tem. Não haveria um bairro sequer sem recurso, mas se fazia justiça urbana.

Por último, como garantia e para um efetivo controle social, esses valores, essa política, após debatida, seria inserida por um período de tempo necessário nas leis orçamentárias e, quiçá, da Lei Orgânica da cidade, para evitar as vaidades pessoais, as discricionariedades excessivas. Assim: independentemente de outros recursos alocados, no orçamento municipal, até que a cidade assumisse uma condição urbana razoável, haveria um investimento, justo, em saneamento básico, esgoto, pavimentação, etc. Uma política pública institucionalizada.

À guisa de conclusão, apesar da análise ora terminada ser feita levando em consideração esgoto, pode ser aplicada, com as adaptações necessárias, em todas as obras e serviços públicos.

Agora o debate! Vamos?

Abel Santos de Araújo.
Servidor Público.
Militante Movimento Comunitário. 

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